
Reunião entre o Centro de Direitos Humanos de Araguaína, Julho das Pretas, Associação Negra Cor de Araguaína e Movimento Negro Unificado do Tocantins, para criação do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial. Foto: CDHA
Araguaína, a segunda maior cidade do Tocantins, está prestes a ampliar a participação popular nas decisões sobre promoção de igualdade racial no município. Os movimentos sociais antirracista na cidade, têm realizado mobilizações, reuniões e encontros para estruturar o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR).
A iniciativa tem como mobilizador o Centro de Direitos Humanos de Araguaína (CDHA). Com o apoio do Fundo Brasil, no edital Enfrentando o Racismo a partir da Base, a organização tem liderado articulações estratégicas com o poder público e demais instituições, fortalecendo o projeto e garantindo que o Conselho se torne um instrumento de participação da sociedade civil e do poder público no monitoramento de políticas públicas.
“O recurso do Fundo permitiu que tivéssemos equipe, planejamento e capacidade de articulação para tocar esse projeto. Sem esse apoio, seria muito difícil manter uma mobilização como essa de forma contínua e estratégica”, explica o professor Dhiogo Lobato, coordenador do CDHA. “O Fundo Brasil trouxe legitimidade à pauta, ampliando o poder de incidência da organização”.
Com mais de 180 mil habitantes, a cidade localizada no norte do estado, enfrenta desafios históricos relacionados à violação de direitos e à discriminação racial. Cerca de 73% da população araguainense se declara negra, de acordo com dados do Censo de 2022 do IBGE. No entanto, essa maioria não se reflete nos espaços de poder ou na garantia plena de direitos.
A luta pela criação do COMPIR é resultado de um trabalho iniciado em 2021, por organizações como o CDHA, o Movimento Negro Unificado (MNU), a Associação Negra Cor de Araguaína (ANCA), o Coletivo Julho das Pretas e a Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), além da Defensoria Pública e do Ministério Público do Tocantins.
Ao longo desse período, foram realizados ciclos formativos, campanhas antirracistas e, em setembro de 2024, a de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que determina a formalização do Conselho e a elaboração de um Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial. O TAC também determina a elaboração de um Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial e a criação legal do COMPIR.

Professor Dhiogo Lobato, coordenador do CDHA, durante Oficina sobre Igualdade e promoção da justiça racial em escolas. Foto: CDHA
“O Conselho é uma demanda histórica do movimento negro de Araguaína. É um espaço onde poder público e sociedade civil podem construir juntos soluções para combater as desigualdades raciais. Mas, mais do que isso, ele representa o reconhecimento da existência do racismo e da urgência em enfrentá-lo com políticas públicas”, reforça Dhiogo.
Para que a COMPIR saia do papel, também foi criada a Comissão Provisória de Estruturação deste conselho. Formada por representantes de diversos setores, a comissão tem conduzido reuniões com a Prefeitura e outros órgãos do poder executivo.
Na região, o CDHA também articulou ações junto à Câmara Municipal e ao Executivo para pressionar pela adoção de medidas antirracistas, como cotas no serviço público e a institucionalização do COMPIR.
“Hoje temos confiança para dialogar com outras instituições e com o poder público para ampliar nossas parcerias. Hoje temos uma presença mais ativa na cena política local”, complementa o professor.
Educação e mobilização como estratégia
O CDHA foi fundado nos anos 2000 como resposta a um cenário de violações sistemáticas dos direitos humanos na região, especialmente contra trabalhadores rurais e a população negra.
“Na época, a gente acompanhava de forma escancarada diversas violações de direito, principalmente de trabalho escravo, ainda tão latente pela região. O Centro de Direitos Humanos de Araguaína nasceu como resposta a esse contexto, impulsionado por lideranças religiosas, sociais e acadêmicas, com o objetivo de promover os direitos humanos e dar visibilidade às vozes silenciadas de Araguaína”, lembra Dhiogo.

Oficina Genética e Ancestralidade, promovida pelo CDHA, em Araguaína/TO. Foto: CDHA
Hoje, a organização aposta na formação política e na mobilização popular para transformar consciências e práticas institucionais.
Oficinas em escolas públicas, rodas de conversa sobre racismo estrutural e ações de comunicação voltadas à valorização da identidade negra são algumas das estratégias adotadas no projeto Vozes da Resistência: Enfrentando o Racismo a partir da Base, apoiado pelo Fundo Brasil.
“Temos apostado na formação política e antirracista, no fortalecimento das redes locais e na incidência junto ao poder público. Buscamos sistematizar experiências para gerar dados e evidências que sustentem a luta antirracista”, resume o coordenador. “Nosso trabalho parte do princípio de que essas populações já possuem saberes e força política. Nosso papel é escutar, apoiar e potencializar suas lutas”.
Ao todo, foram realizadas 19 atividades formativas, com mais de 450 participantes.
Também foi criado um canal de denúncias ível e seguro, via WhatsApp, para receber relatos de racismo e violação de direitos. A organização acolheu 24 denúncias e promoveu 18 atendimentos individuais com encaminhamentos jurídicos, assistenciais e formativos.
Casos como o de uma gestante negra vítima de violência obstétrica, ou de jovens agredidos por agentes de segurança, revelaram como o racismo se manifesta no cotidiano dos moradores de Araguaína. “O CDHA atuou na orientação, apoio emocional e busca por justiça, fortalecendo o vínculo entre comunidade e organização.”, diz o coordenador.
O trabalho do Centro de Direitos Humanos de Araguaína ainda ampliou a presença de lideranças negras nos espaços públicos, assim como os debates sobre racismo nas escolas e o fortalecimento de coletivos jovens engajados. “Hoje há mais juventudes negras mobilizadas, coletivos atuantes e uma presença mais firme de organizações que cobram o poder público”, observa o coordenador.
Contudo, a continuidade das ações é uma inquietação da equipe do projeto. “Estamos investindo na construção de parcerias duradouras, na formação de novas lideranças e na solidez de nossas ações, por meio de projetos de médio e longo prazo”, afirma Dhiogo. O plano é transformar o CDHA em um espaço permanente de formação, articulação política e enfrentamento das desigualdades.
Enfrentando o racismo a partir da Base

Organizações participantes da articulação para o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, em reunião com a Secretaria de Assistência Social da cidade. Foto: CDHA
O edital Enfrentando o Racismo a partir da Base está em sua 5ª edição. O objetivo deste apoio é fortalecer grupos, coletivos e organizações lideradas por pessoas negras em todo o território nacional.
Neste ano, a Fundação vai doar R$1 milhão para até 20 iniciativas de base focadas em defesa de direitos da população negra. Cada grupo pode receber até R$50 mil.
Os recursos de natureza flexível, podem ser usados da forma como o grupo proponente considerar adequado para garantir a sustentabilidade de suas atividades de promoção e defesa de direitos humanos dentro da pauta do enfrentamento ao racismo.
Além do edital específico, as organizações, grupos e coletivos da luta antirracista são apoiados pelo Fundo Brasil no âmbito de outros editais.