O Fundo Brasil de Direitos Humanos divulga nesta segunda-feira, 26, o resultado do edital Raízes: Comunidades Tradicionais, Quilombolas e Povos Indígenas Lutando por Justiça Climática. Serão apoiadas pelo menos 25 propostas de até R$50 mil, totalizando R$1.250.000,00 em doações para um período de até 12 meses.
O foco são as organizações em territórios diretamente impactados pelos efeitos da crise climática. A seleção ainda priorizou grupos liderados por mulheres, juventudes, pessoas LGBTQIA+ e comunidades que preservam saberes ancestrais como parte da luta por justiça climática e socioambiental.
O Edital nasce da escuta e da confiança nas formas próprias que esses povos desenvolvem para enfrentar a emergência climática, por meio de estratégias ancestrais e coletivas de cuidado com a terra, com a água e com a vida. Diante do avanço do agronegócio, da contaminação por agrotóxicos, das mudanças nos ciclos das águas e do clima, e dos conflitos fundiários, esses territórios e as comunidades tradicionais e locais — que estão na linha de frente da conservação ambiental e da mitigação dos efeitos das mudanças do clima — tornam-se cada vez mais ameaçados e, ao mesmo tempo, essenciais para a proteção da biodiversidade e do equilíbrio climático.
Nesse sentido, o edital reconhece o protagonismo de comunidades tradicionais, quilombolas e povos indígenas como guardiões dos biomas brasileiros e fortalece suas lutas e soluções no enfrentamento da crise climática, em uma perspectiva de justiça climática e garantia de direitos.
“O processo de seleção do edital Raízes nos oferece uma escuta qualificada e aprofundada dos territórios”, afirma Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos. “Cada edital é um exercício de diálogo com o campo dos direitos humanos. Aprendemos com os grupos, com o comitê de seleção e com os próprios processos que conduzimos. Isso nos permite melhorar, seja nas temáticas dos editais, na forma de acolher as inscrições ou no acompanhamento das iniciativas apoiadas.”
Veja a lista dos selecionados:
Organização | Estado | Região |
Aldeia Ni Shuvini | Acre | Norte |
Associação Aîbu Kene Keneya | Acre | Norte |
Associação Indígena da Comunidade Bom Jesus – AICBJ | Amazonas | Norte |
Organização Indígena Kokama do Amazonas – OIKAM | Amazonas | Norte |
Associação dos Caranguejeiros, Pescadores de Povos e Comunidades Tradicionais de Arapuri | Pará | Norte |
Observatório do Marajó | Pará | Norte |
Associação de Mulheres Rurais Do Semiárido Alagoano – Amrsa | Alagoas | Nordeste |
Associação Cidadania Rural | Bahia | Nordeste |
Associação Comunitária de Mangabeira e Povoados Vizinhos (ACOMPOV) | Bahia | Nordeste |
Comunidade Quilombola Barreiro e Tamboril | Bahia | Nordeste |
Associação dos Povos Indígenas Cariri de Poço Dantas-Umari – AICAPDU | Ceará | Nordeste |
Quilombo do Cumbe: Associação Quilombola do Cumbe/Aracati | Ceará | Nordeste |
Instituto Quilombola do Maranhão – IQM | Maranhão | Nordeste |
Coletivo Nascente das Crioulas | Maranhão | Nordeste |
Grupo de Mulheres Josina’s de Fibra | Maranhão | Nordeste |
Associação de Mulheres Trabalhadoras do Coco Babaçu do Baixo Parnaíba Piauiense – AMTCOB | Piauí | Nordeste |
Associação Vida Inteira | Goiás | Centro-Oeste |
Associação Comunidade Quilombola Pilões Iporá | Goiás | Centro-Oeste |
Instituto Munduruku | Mato Grosso | Centro-Oeste |
Kuñangue Aty Guasu – Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani | Mato Grosso do Sul | Centro-Oeste |
Ilê Asé Omode Títan | Rio de Janeiro | Sudeste |
Associação Instituto Caiçara da Mata Atlântica | São Paulo | Sudeste |
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná | Paraná | Sul |
Ilê Axé Ijobá de Oxum e Bará | Rio Grande do Sul | Sul |
Associação Remanescente de Quilombo Ibicuí da Armada | Rio Grande do Sul | Sul |
O processo de seleção
Nos próximos dias, a equipe do Fundo Brasil entrará em contato com os grupos selecionados pelo e-mail indicado no momento da inscrição do projeto.
A triagem das propostas é realizada com um processo criterioso que começa com o recebimento das inscrições e uma análise preliminar para verificar o cumprimento dos requisitos básicos do edital. Em seguida, um comitê avaliador formado por especialistas, ativistas e lideranças dos territórios realiza a análise detalhada das propostas, avaliando sua qualidade técnica, relevância, impacto esperado e coerência com os objetivos do edital.
Com 701 projetos inscritos, o edital do Raízes contou com o reforço de mais uma pessoa no comitê para a leitura e análise das propostas. Para esta seleção, o comitê contou com Josefa Oliveira, ribeirinha, da Comunidade Bacabal, no Rio Xingu, desterritorializada pelo empreendimento Belo Monte; Maryellen Crisóstomo, quilombola do território Baião no Sudeste do Tocantins. Mestranda em Letras pela Universidade Federal do Tocantins e Jornalista graduada pela mesma instituição; Rosieni dos Santos, quilombola Kalunga da Comunidade do Engenho II, localizada no município de Cavalcante Goiás, mestra em Turismo e atualmente doutoranda em Antropologia Social, ambos pela Universidade de Brasília (UNB); Naiara Bittencourt, doutora e mestra em Direito Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR. É assessora da Diretoria de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab; Paulo Pankararu, mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Curitiba/PR. Pós-Graduação sobre Povos Indígenas, Direitos Humanos e Cooperação Internacional pela Universidade Carlos III de Madri, Espanha, tendo realizado estudos sobre gestão territorial indígena.
A maior parte dos projetos selecionados vem da região Nordeste (40%), seguida pela região Norte (24%), região Centro-Oeste (16%),região Sul (12%) e Sudeste (8%).
O resultado reflete o amadurecimento das organizações e a confiança no trabalho do Fundo Brasil. “Os grupos mostram que estamos fazendo o que prometemos fazer”, resumiu Josefa Oliveira. Entre os inscritos, houve forte presença de quilombolas, indígenas, povos de terreiro e caiçaras, traduzindo a diversidade do país e a urgência de apoiar essas resistências diante da emergência climática.
“Tivemos a percepção geral de que os projetos estavam muito qualificados. Recebemos muitas propostas de povos indígenas, quilombolas e povos de terreiro”, afirmou Naiara Bittencourt.
Thainá Mamede, assessora de projetos do Fundo Brasil, destacou “o olhar sensível para os projetos apoiados” e ressaltou a inovação e a resiliência das comunidades tradicionais. “Os projetos trouxeram ações voltadas à produção e sistematização de conhecimento, fomento a atividades agroecológicas da sociobiodiversidade, formação, incidência política e proteção territorial. Essa diversidade e profundidade tornaram o processo de seleção especialmente desafiador”.
O comitê do edital Raízes ressaltou que a justiça climática não pode ser medida por uma régua única. A seleção considerou as múltiplas formas de enfrentamento relatadas pelas comunidades, como o o à água, os protocolos de consulta contra a mineração e a defesa dos modos de vida tradicionais. Ações essas muitas vezes não nomeadas como combate à crise climática, mas conectadas à preservação dos territórios e à proteção da vida.
Segundo Maryellen Crisóstomo, integrante do comitê, “a mudança climática pode parecer um conceito universal, mas é vivida de formas diferentes em cada território. As comunidades têm seus próprios saberes e estratégias, e é isso que o edital valoriza”. Ela observou ainda que a maioria das propostas, lidas por ela, relatava impactos diretos da crise hídrica, evidenciando como as comunidades sentem e enfrentam as mudanças climáticas em seus contextos locais.
Para Paulo Pankararu, “diante da humanidade que vem sendo apertada pelas mudanças climáticas, são os povos indígenas e as comunidades tradicionais que trabalham para mudar essa realidade. Por isso, nós defendemos a Terra. É uma oportunidade muito grande participar dessa seleção para que a gente possa continuar protegendo a vida e o planeta.”
Rosieni dos Santos reforçou a pluralidade dos projetos selecionados, destacando iniciativas de defesa dos direitos territoriais, enfrentamento de violações, regularização fundiária e elaboração de planos de gestão territorial. “Vemos também projetos liderados por mulheres negras, mapeando impactos das enchentes e promovendo incidência política, além de ações que fortalecem a soberania alimentar e a resiliência por meio da agroecologia. Esse conjunto mostra a pluralidade de estratégias e saberes que precisamos apoiar para enfrentar os desafios do nosso tempo.”
Raízes
Este é o terceiro edital do Raízes – Fundo de Justiça Climática para Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, iniciativa do Fundo Brasil de Direitos Humanos para apoiar de forma estratégica esses povos e comunidades em suas lutas por justiça climática e ambiental e por direitos humanos, na Amazônia e nos outros cinco biomas brasileiros: Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal.
O Raízes tem como premissa capilarizar recursos do financiamento climático para que cheguem à ponta, aos povos indígenas e comunidades tradicionais. Além do apoio estrutural, o Raízes dispõe de fundos emergenciais para respostas rápidas a crises que impactam diretamente esses povos e territórios. Reconhecendo o papel fundamental dessas comunidades na proteção da biodiversidade e na construção de soluções para a crise climática.
Para mais informações, visite a página do Raízes.